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Um dos romances mais surpreendentes e de maior sucesso da literatura catalã e europeia. Prémio da União Europeia para a Literatura Prémio Anagrama de Romance Finalista do National Book Critics Circle Entrega a partir de 29 de abril de 2024. As altas montanhas dos Pirenéus catalães são uma terra de fronteira, assombrada pela memória dos séculos e das gerações passadas. A sua sabedoria escapa à compreensão humana e é eterna, ao contrário do amor, da guerra ou da dor. Uns dizem que essas montanhas são fonte de vida. Outros, que a cada dez anos morre alguém fulminado por um raio no meio dos penhascos. É essa a tragédia que se abate sobre Domènec de Matavaques, o camponês poeta. Pouco depois desse acontecimento, rodeiam o seu corpo inerte os fantasmas de quatro bruxas. Em casa, no sopé da montanha, Sió, agora jovem viúva, vê-se obrigada a cuidar sozinha de duas crianças e de um velho sogro... Em Eu Canto e a Montanha Dança, um dos romances mais surpreendentes e de maior sucesso da literatura catalã contemporânea, Irene Solà faz nascer, para lá do tempo e da história, um mundo poético e mítico, de uma beleza tão selvagem quanto visceral; um mundo cantado a várias vozes, por vários protagonistas - mulheres e homens, animais, espíritos ou nuvens - que, além do drama humano, anunciam e celebram o imutável ciclo da vida. Os elogios da crítica: «O que triunfa em toda a história é a alegria de narrar.» El País «Uma exibição literária avassaladora.» La Vanguardia «Um romance extraordinário... Há beleza em cada página, uma paixão desmedida pela escrita, pelas palavras, pelas paisagens narradas, pelas criaturas criadas.» Time Out «Uma homenagem polifónica à Catalunha.» The Times Literary Supplement «Parte da função do escritor é transportar o leitor para o desconhecido e o inimaginável. Em Eu Canto e a Montanha Dança, Irene Solà cumpre essa função com talento.» Washington Independent Review of Books «[Um romance] que cintila com vida humana e não-humana, com os vivos e os mortos, com o tempo de hoje e o passado distante, uma fábula universal, divertida e profundamente tocante.» Max Porter «Há tanta beleza neste maravilhoso romance polifónico que cada página nosfaz apaixonar novamente pela natureza, pela imaginação, pelas palavras, pela vida. Atemporal e único.» Mariana Enriquez
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Este livro é diferente de tudo o que li até agora. Demorei algum tempo a apanhar o fio à meada e ao ritmo, mas assim que consegui, tive a certeza de que se tornaria um favorito. Irene Solà tem uma escrita deslumbrante, terna, densa, lírica, poética, visceral e violenta... com uma variedade de estilos... uma espécie de caleidoscópio literário, que é urgente, impele-nos a uma leitura rápida, mas que contrariei e tornei lenta para poder saborear todas as suas nuances.
Este livro recebeu aclamação crítica e vários prémios literários, incluindo o Prémio de Literatura da União Europeia em 2020.
A narrativa deste romance é única, fragmentada, com diferentes vozes narrativas, incluindo personagens humanas, fantásticas, animais e até mesmo elementos naturais, que se entrelaçam para contar a história de uma família atingida pela tragédia, numa região montanhosa dos Pirenéus. Esta multiplicidade de perspectivas cria uma teia narrativa rica e complexa, que nos convida a reconstruir a história a partir de diferentes pontos de vista e sem ser pelo olhar antropocêntrico.
As personagens do romance são variadas e incluem seres humanos, como Domènec (o camponês poeta) e Sió, Hilari e Mia, Jaume, entre outros, bem como vários elementos não humanos que têm voz e nos oferecem as suas perspectivas:
Nuvens de Tempestade, Chuva e Raios
Chegámos com as barrigas cheias. Doridas. Os ventres negros, carregados de água escura e fria e de raios e trovões. Vínhamos do mar e de outras montanhas, e vá-se lá saber de que lugares mais, e vá-se lá saber o que tínhamos visto. (…) Tapámos tudo como um cobertor. (…) Depois da chegada, e da quietude, e da pressão, e de comprimir o ar suave contra o chão, disparámos o primeiro raio. Bang! (…)E então derramámos a água em gotas imensas (…)E nós rimo-nos, ih, ih, ih, ih, enquanto lhe molhávamos a cabeça, e a nossa água se metia por dentro do colarinho da camisa, e percorria os ombros e as costas, e as nossas gotinhas frias despertavam o seu mau humor.
Trombetas-da-morte
Os fungos simbolizam a ligação da vida e da morte, o mistério e a magia da natureza, a resiliência e adaptação, a nutrição e sustentabilidade, e oferecem uma perspectiva que enaltece a diversidade e a riqueza do mundo natural. Representam uma visão colectiva do mundo. Eles não existem uns sem os outros.
O chapéu de uma é o chapéu de todas. A carne de uma é a carne de todas. A memória de uma é a memória de todas. A escuridão. Sim, a escuridão. Como um abraço. Deliciosa. Protectora. Acolhedora. Como uma queda. Incipiente. A terra. Como uma manta, como uma mãe. Preta. Húmida. Aqui somos todas mães. Somos todas irmãs. Tias. Primas.(…)
Porque não há princípio nem fim. Porque o pé de uma é o pé de todas. O chapéu de uma é o chapéu de todas. Os esporos de uma são os esporos de todas. A história de uma é a história de todas. Porque a floresta é das que não podem morrer. Que não querem morrer. Que não morrerão porque sabem tudo. Porque transmitem tudo. Tudo o que é preciso saber. Tudo o que é preciso transmitir. Tudo o que é. Semente partilhada. A eternidade, coisa leve. Coisa diária, coisa pequena.
Corço
Que nos remete para a inocência e vulnerabilidade, e que perante a sua perseguição na floresta nos amplia a empatia e compaixão. O Corço é um símbolo poderoso do ciclo da vida e nos Pirenéus remete-nos também para lendas e mitos locais.
Lá dentro estava muito quentinho, muito apertadinho, e muito escuro. O meu irmão e as suas patas compridas, eu e as minhas patas compridas, enroscadinhos como as minhocas sob as pedras. (…)E então a mãe separou-nos, a mim e ao meu irmão. (…) Porque os corços só precisam de mãe quando nascem, e são pequenos e têm de aprender. E só têm irmãos quando estão dentro da mesma barriga e bebem o mesmo leite. Mas eu já não bebo leite. (…)muitas madrugadas e muitos anoiteceres depois (…)Levantei a cabeça e estiquei as costas, eriçadas, prontas.(…) E então ouvi-o. O barulho. Pum. O estouro mais terrível que ouvi na minha vida. (…)Eu morreria porque o som me tinha escolhido. Adeus, floresta. Adeus, madrugadas. Adeus, pássaros. Adeus, Sol. Adeus, corço que eu sou. Adeus, corços que são os outros.
Mas não morri e as pernas continuaram a correr, e a correr e a correr e a correr e a correr e a correr e a correr e a correr.
A Lluna
A cadela Lluna não desempenha apenas um papel prático como um animal de estimação na história, mas também simboliza o amor incondicional, a lealdade e companheirismo, a inocência e simplicidade.
Aquilo de que mais gosto é quando assobia. Com os dedos na boca. Porque, então, eu corro. Corro com toda a minha força, e salto, e voo, (…) Quando assobia, corro sobre a erva e a cerca e as rochas. Em direcção ao assobio. (…) E correria e saltaria sobre o carro, se fosse necessário, e sobre a casa, se fosse necessário, e sobre todos os perigos. Passando por cima e por dentro e pelo meio de todos os obstáculos. A toda velocidade, porque se tivesse de salvá-la, salvá-la-ia de tudo o que é mau. (…)E às vezes, quando vou ter com ela ofegante, toca-me suavemente na testa, e no lombo, e diz-me que fiz tudo muito bem, e diz-me coisas bonitas que não entendo, mas que entendo. E nessa forma de me tocar está todo o seu amor, e na minha forma de correr para salvá-la está todo o meu amor.
Há as Mulheres de Água que remetem para a magia dos Pirenéus,
e as que Fazem nascer bebés
As senhoras que sabem fazer nascer bebés são sempre quatro. E têm todas o cabelo branco. Há uma que manda, (…) Há a que se ri, (…) E depois há a (…), que chora sempre. E a (…), que nos conta histórias. Conta-nos umas histórias de que gostamos porque nunca têm a voz nem os olhos dos homens que escrevem as histórias más. As senhoras que sabem fazer nascer bebés vivem na floresta
Há o Urso que faz questão de nos lembrar que Homens repugnantes que matam o que não comem. Homens que querem tudo, que se apoderam de tudo. (…) Só os animais cobardes matam o que não comem.
E finalmente a Terra que reflecte sobre as mudanças geológicas, a formação da cadeia montanhosa dos Pirenéus e o passar do tempo. A montanha viu muitos chegarem e partirem ao longo da sua existência.
Nada durará muito tempo. Coisa nenhuma. Nem a quietude. Nem a calamidade. Nem o mar. Nem os vossos filhinhos tão feios. Nem a terra que segura as vossas patas enfezadas. (…) Terá começado o movimento de novo. O desastre. O princípio seguinte. O enésimo final. E vocês morrerão. Porque não há nada que dure muito. E ninguém se lembra do nome dos vossos filhos.
É um daqueles livros que ficou cheio de sublinhados e notas.
F A V O R I T E I