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Subversiva, feminista, inconformada: Alba de Céspedes abalou os alicerces da literatura na Europa do pós-guerra e abriu, com O caderno proibido, uma janela para a liberdade: lá fora, o mundo reconstrói-se; dentro de portas, a vida doméstica de uma mulher comum sofre uma implosão, quando ela decide começar um diário. Entrega a partir de 27 de maio de 2024. Roma, década de 1950: Valeria Cossati vai comprar cigarros para o marido, ignorando que sairá da tabacaria com um caderno que há de mudar a sua vida. Ao transformar esse caderno num diário secreto onde regista pensamentos e desejos do dia-a-dia, Valeria transforma-o num instrumento de emancipação: liberta-se das convenções sociais, do sentido de dever para com o marido e os filhos, dos limites autoimpostos que regem o seu pequeno mundo. A partir daqui, tudo é questionado. Valeria compreende que está em translação e decide conquistar o lugar que escolheu para si. Clássico redescoberto, testemunho histórico de uma época, retrato primoroso da turbulência doméstica, O caderno proibido condensa a sede de liberdade de toda uma geração e das outras que se lhe seguiriam. Precursora da linhagem literária mais disruptiva da modernidade – de Virginia Woolf a Natalia Ginzburg, de Marguerite Duras a Vivian Gornick –, Alba de Céspedes celebra aqui o poder da escrita e a audácia indómita de uma mulher numa sociedade em ebulição. Os elogios da crítica: «Ler Alba de Céspedes foi como aceder a um universo desconhecido: classes sociais, sentimentos, atmosferas.» Annie Ernaux «Enquanto escrevo, leio apenas livros que me façam boa companhia. [...] A alguns deles, como os de Alba de Céspedes, chamo livros de alento.» Elena Ferrante «Alba de Céspedes foi uma grande escritora, uma escritora subversiva, uma escritora censurada pelos fascistas, uma escritora que se recusou a participar em prémios literários, uma escritora à frente do seu tempo. Trata-se de uma das personalidades mais cosmopolitas, incendiárias, perspicazes e negligenciadas de Itália.» Jhumpa Lahiri, The Paris Review «Íntimo, sábio e ardente, O caderno proibido junta-se a um cânone global de obras de escritoras que restringem o seu foco ao universo das preocupações tradicionalmente femininas – casa, família, romance –, enquanto abordaquestões políticas e cristaliza uma quase consciência mística e transcendentemente luminosa.» Los Angeles Review of Books «A obra de Alba de Céspedes mantém toda a sua força subversiva.» TheNew York Times Review of Books «Eis a radiografia de uma espécie de apagamento que as mulheres reconhecem como universal: a supressão dos seus próprios pensamentos.» The Washington Post «Página a página, parágrafo a parágrafo, eis um livro que prova que a escrita pode ser um ato verdadeiramente transformador.» The Guardian «A voz de Alba de Céspedes permanece viva, abordando temas tristemente perenes: a batalha entre maternidade e autorrealização; o controlo social sobre o corpo da mulher; o trabalho doméstico não remunerado; a força do progresso que abala convenções. [...] Este é um livro brilhante, silenciosamente tumultuoso.» The Wall Street Journal «Um romance de generosidade e bravura intelectual inauditas.» Le Monde «Formalmente preciso, psicologicamente denso, repleto de suspeitas e dúvidas, O caderno proibido é um uivo elegante mas atormentado.» The Financial Times
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Publicado em 1952, Caderno Proibido é um romance que se foca na vida de Valeria Cossati, uma mulher de classe média, com 43 anos, mãe de dois filhos já adultos, Mirella e Riccardo, que frequentam a universidade, e esposa de Michele, um funcionário bancário.
Valeria também trabalha para contribuir para a economia familiar e é automaticamente vista com compaixão pelas amigas burguesas e snobs, que podem dar-se ao luxo de passar as tardes a falar sobre moda enquanto tomam chá.
O que Virginia Woolf reivindicava como uma condição para a liberdade da mulher, ou seja, ter controlo sobre o dinheiro, para Valeria é na verdade quase um estigma social.
O cansaço é um traço que emerge desde o início do romance:
O reconhecimento do meu cansaço exime-os de qualquer responsabilidade. Por isso me repetem frequentemente, com severidade: «Devias descansar», como se não o fizesse por capricho.
Valeria sacrificou os seus próprios interesses para cuidar da família. Achou que estava satisfeita, ou pelo menos convenceu-se disso, usando a desculpa de que após a Segunda Guerra Mundial nada é mais como antes e não é mais possível viver como a sua mãe, uma clássica representante da nobreza decadente, que se mantém afastada do trabalho manual.
A história começa quando Valeria, de forma impulsiva, compra um caderno negro numa tabacaria, sabendo que deveria estar a comprar cigarros para o seu marido:
Dê-me também um caderno», disse eu, revolvendo a bolsa à procura de mais dinheiro. Mas, quando ergui os olhos, vi que o vendedor tinha assumido uma expressão severa para me dizer: «Não se pode, é proibido.» Explicou-me que um polícia se punha de guarda à porta, todos os domingos, para que só se vendesse ali tabaco, e nada mais. Eu tinha ficado sozinha na loja. «Preciso de um», disse-lhe, «preciso mesmo de um.» Falava baixinho, agitada, estava disposta a insistir, a suplicar. Então, ele olhou em volta e, em seguida, pegou rapidamente num caderno e estendeu-mo sobre o balcão, dizendo: «Ponha-o debaixo do casaco.»
Este acto simples dá início a uma série de introspecções e revelações sobre a sua vida, casamento e papel na sociedade. Escrever no caderno é um acto de rebelião silenciosa. É perigoso, porque se alguém o descobrisse tudo mudaria, mas Valeria não consegue parar, precisa dessa liberdade secreta:
(...) quando escrevo neste caderno, sinto que estou a cometer um grave pecado, um sacrilégio: parece-me que estou a conversar com o diabo.
É através da escrita que confronta os seus sentimentos de frustração, revelando um desejo profundo por autonomia e uma vida além das responsabilidades domésticas. Este caderno, que ela deve esconder da família, simboliza a sua busca por identidade e liberdade num contexto social opressivo:
Em casa, não sei porquê, tenho sempre vontade de pedir desculpa.
É uma forma de descobrir o que realmente pensa e sente.
Cada palavra que coloca no caderno é uma revelação, uma janela aberta para a sua verdadeira essência. Escrever torna-se catártico.
Parece-me que uma mulher tem sempre de pertencer a alguém para ser feliz.
Michele, o marido, é um homem tradicional que não reconhece os desejos e necessidades de Valeria, exemplificando as expectativas patriarcais da época. A relação deles é marcada pela falta de comunicação e compreensão:
talvez porque nunca mais falámos como quando namorávamos, só de nós, daquilo que acontecia no nosso íntimo.
Com Michele vendo Valeria apenas como a dona de casa diligente e mãe, incapaz de imaginar que dentro dela há um tumulto de emoções e pensamentos:
(...) mas o que sinto quando estou com Michele é uma felicidade gélida, (…) e os gestos que tenho para com Michele, pelo contrário, são apenas afeto, ou solidariedade, ou hábito, nem sequer aqueles mais íntimos e raros são amor: piedade, antes, compaixão pelas fraquezas humanas.
Os filhos, Mirella e Riccardo, absorvidos nas suas próprias vidas, representam a nova geração que, embora ainda influenciada pelos valores tradicionais, começa a desafiar algumas normas:
Eu nunca compreendi Mirella, enquanto compreendo sempre Riccardo. Por vezes, penso que, se não fosse minha filha, ser-me-ia difícil gostar dela. Não se contenta só com deixar-se viver, com ser amada, como eu fazia na sua idade. Talvez seja pelo facto de os estudos serem muito diferentes, então, para as raparigas. Eu nunca teria pensado em ser advogada: estudava Literatura, Música, História da Arte. Faziam-me conhecer só o que é belo e doce, na vida. Mirella estuda Medicina Legal. Sabe tudo.
Alba de Céspedes tem uma escrita afiada, penetrante, introspectiva e carregada de sensibilidade. Os temas tão actuais, como emancipação feminina, o conflito entre o desejo individual e as expectativas sociais, e a luta pela auto descoberta fazem deste livro um clássico.
Caderno Proibido, mais de setenta anos após a sua publicação, continua a provocar inquietação e perturbação.
Quantas Valerias existirão por aí?
Quantas Valerias não conseguirão soltar-se das amarras?
Agora, pergunto a mim mesma onde terei sido mais sincera, se nestas páginas, se nas acções que realizei, aquelas que deixarão de mim uma imagem, como um belo retrato.