E foi quando, na vastidão astral. Meu Deus, eu devia ser grave. Regressado ao silêncio fundamental - e falas tanto. Revestido ao osso da minha amargura. Que é que significa falares? e discretares como se para um público a ouvir. Estás só, não há ninguém a ser público à tua volta. Nem tu. Mas de súbito, que serrabulhada. De norte a sul, este a oeste. Era um cacarejo estridente, ouço-o na minha aflição. Dos quatro cantos do mundo, estou parado à varanda, a montanha aguenta no dorso toneladas de calor. Filósofos, políticos, passo grave entre as muralhas da Biblioteca, um dia Xana veio-me ali chamar. Era à tarde, não havia já ninguém, entre montanhas de papel. E a espantosa proliferação dos teorizadores, dos sábios que tiveram razão para a eternidade e já não tinham, dos poetas que dedilharam na lira a sua melancolia para a comoção da intimidade das virgens e que nos fazem rir. E dos doutores dos concílios, dos ascetas, dos pregadores. Dos historiadores, dos salvadores do mundo, dos foliculários. Mas em cada momento do passado, a reunião em torno de uma verdade como um bolo, tomai e comei. Levava-se para casa a fatia da ciência, da arte - e agora? Das explicações das causas e dos fins, da ordenação dos costumes, da regulamentação do choro e do riso, desde a melancolia do entardecer ao ranger do dente na treva, desde a distensão aérea dos lábios ao riso bronco e pançudo - e agora? Estou parado à varanda, dos quatro pontos cardeais.
Vergílio Ferreira
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