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'Sentimento do mundo' procura mostrar o poeta mineiro atento aos acontecimentos políticos de sua época. Esse Drummond visto como humanista lamenta que as pessoas mantenham olhos cerrados para o mundo, a ponto de permitir a violência - a Segunda Guerra Mundial e a ditadura getulista - e de trocar a compaixão pelo egoísmo de quem vive fechado em si mesmo ou em um 'terraço mediocremente confortável'. Tal responsabilidade coletiva se dá inclusive nos poemas em que o autor aborda temas mais pessoais, como 'Revelação do subúrbio', no qual um retorno a Minas Gerais o desperta para a tristeza da noite vista pela janela do carro. A visão de mundo sombria e pouco otimista não o impede de ser lírico nos 'Menino chorando na noite' e 'Noturno à janela do apartamento'. E ainda sobra tempo para Drummond homenagear o amigo Manuel Bandeira, num 'apelo de um homem humilde' que funciona ainda como um elogio e uma reflexão sobre o fazer poético.
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Sentimento do mundo é um livro em que há muita esperança, mas não é um livro solar. Dito de outro modo, é um livro repassado de melancolia, mas em que vibra constante o desejo de transformação do mundo.
Murilo Marcondes de Moura, Posfácio
OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.